Done

Respiro fundo, bem devagar. Sinto aquele cheiro que não é bem cheiro mas a sensação intensa do fumo, abro as narinas e deixo a dor entrar. Ardem-me os olhos, sinto os lábios secos e o pó no corpo.
Pisamos as últimas minas do nosso campo de batalha. Atiramos gestos com raiva, espalhamos palavras perfurantes como balas, muitas sem sentido mas com a certeza da direcção.
Respiro. Os meus pulmões já não gritam por oxigénio, a minha traqueia já não sente o ar irritante que atravessa, o meu corpo move-se lentamente, como se estivesse a descobrir. Sinto a calma que invadiu o meu peito, os soluços que cessaram, a minha expressão vaga de derrota vencida.
Olho para cima, quero voltar a ver o céu, quero que o tempo sopre as nuvens de fumo que se formaram para que o sol bata de novo no meu rosto. Quero a brisa fresca, o cheiro doce, quero que o vento quente varra todas as memórias, quero que saias de mim. Quero um novo começo comigo, quero parar de viver a correr, de tentar absorver tudo à minha volta para te esquecer. Estou cansada, quero andar por momentos, sentir o movimento dos meus pés, sentir cada parte, os dedos, as plantas, os calcanhares de encontro ao chão. Quero me mover com leveza, fluidez, como um corpo que acabou de nascer. Quero saber escapar-te, quero acordar sem a sensação de espaço vazio, sem a esperança da resposta à mensagem que ficou pendente, sem a pressão do soco na barriga. Porque é que insistes em ocupar um espaço que não te pertence? Ou melhor, porque é que eu,como parte (in) dependente de mim, insisto em manter-te no meu lugar? Devolve o que não é teu. Devolve a minha alegria e o meu coração lacerado, eu cuido dele, mas tens de mo dar de volta. Peço-te só para desapareceres como o tempo, não voltes. A sério, não voltes.